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Deus educa porque – e quando – salva

Motivo, caminho e meta da pedagogia do Deus do êxodo

 

No Lema, o Reitor Maior quis “chamar a atenção não tanto sobre os destinatários da obra educativa, mas directamente – diz ele – sobre todos vós, caros educadores e educadoras que, como Jesus, vos sentis consagrados e enviados pelo Espírito do Senhor a evangelizar, libertar os cativos, dar a vista e oferecer um ano de graça àqueles a quem se dirige a vossa obra educativa”.

Que o Lema deste ano se centre na pessoa do educador parece-me acertado. “O Lema, de facto, pretende ser um apelo a reforçar a nossa identidade de educadores, a iluminar a proposta educativa salesiana, a aprofundar o método educativo, a esclarecer a linha do nosso compromisso, a tornar-nos sabedores da recaida social do facto educativo”. Mas o seu maior mérito, a meu ver, está no identificar o educador com Cristo, isto é, no afirmar a igualdade da missão educativa com a messiânica: Como Cristo, o educador sente-se consagrado e enviado pelo Espírito a evangelizar, a libertar da escravidão, e oferecer um tempo de graça (cf,Is 61.1-2). Mesmo sem estar formalmente dito, na identificação do educador com Cristo acena-se à compreensão do facto educativo como acto de salvação, o que equivaleria a declarar que no cristinaismo quem salva educa e quem educa salva.

A finalidade da minha intervenção é aprofundar esta intuição, quereria apresentar a salvação de Deus como educação e assim, animar os educadores – e quem pertence à Família Salesiana não o é? – a fazer as vezes de Deus, isto é, salvar o educando, com tanta sabedoria como eficácia. Poderia ter tomado como motivo Lc 4,18-19, a citação evangélica que as Constituições SDB utilizam no capítulo IV, quando “reformulam como manifesto educativo-pastoral quanto Dom Bosco viveu e disse”. Pareceu-me porém mais de acordo com o motivo central e mais rico de perspectivas estimulantes propor uma reflexão bíblica sobre o êxodo de Israel do Egipto, acontecimento criador de Israel como povo de Deus (1) pois nos recorda um Deus educador porque- e sempre que – salva.

I . DEUS SALVA EDUCANDO

Paradigma de salvação histórica na Bíblia, por antomásia, a saída do Egipto é apresentada no livro do Êxodo como uma longa e estupenda actuação educativa divina. Para fazer sair Israel do Egipto Deus usou por muito tempo e com entusiasmo a imaginação. São quatro as etapas do processo educativo que Deus empreendeu para salvar Israel.

A primeira, preliminar mas imprescindível, aconteceu quando Deus em pessoa saiu do anonimato e escolheu Moisés como mediador fazendo-o sair das suas ocupações e da sua família para fazer tirar do Egipto o povo de Deus (cf.Ex3,1-4.17). Deus deu-se a conhecer quando fez conhecer a Moisés a salvação que preparava para o seu povo.

As outras três são, na realidade, fases sucessivas de um único proceso de libertação: na primeira fase, Deus impôe – tanto ao Egipto opressor como a Israel seu protegido – deixar o estado de escravidão injusta e iniciar um serviço livre (Ex7,8-13,16); na segunda, Deus faz vaguear Israel, apenas iniciada a liberdade, por um deserto durante quarenta anos até se tornar o seu povo aliado (Ex 13,17-24,18); finalmente, depois de ter sido o único companheiro de caminho e o seu único aliado, Deus faz entrar Israel na Terra Prometida e no seu repouso (Nm 27, 12-23: Gen1,1-11).

O PORQUÊ: A REVELAÇÃO DE UM DEUS NOVO
Revelando-se a si mesmo, Deus educa Moisés como mediador e representante

“Eu te envio ao faraó, e faz sair do Egipto o meu povo!” (Ex 3,10)

Antes de começar a salvar, libertando Israel do Egipto, Deus revela-se a si mesmo, revelando a Moisés o seu plano, a quem escolhe como intermediário, portavoz dos seus projectos e lider da libertação que está para realizar: “Vim para libertar Israel da mão do Egipto... Eu te envio ao Faraó. Faz sair do Egipto o meu povo” (Ex 3,8.10). Porque quer tirar Israel da escravidão, Deus deve, antes, escolher um mediador e educá-lo pessoalmente.

1.1 Aprender a tornar-se mediador de Deus, um árduo e trabalhoso ensinamento

Antes de iniciar uma salvação que se realizará como um grande êxodo, Deus submete a um fatigoso ensinamento aquele que a dirigirá. O mediador deverá primeiro experimentar pessoalmente tudo quanto Deus irá propor a seu povo. Quem deve educar o povo de Deus, deve deixar-se educar primeiro por Deus.

Moisés, que apenas nascido tinha sido salvo “das águas” de um grande rio (Ex 2,10), é chamado a realizar uma salvação dividindo o mar “para que os israelitas o atravessassem a pé enxuto”(Ex 14,10). Filho de hebreus (Ex 2,6), adoptado pela filha do faraó (Ex 2,8-10), não poderá suportar – como depois o seu Deus (Ex 3,7-8; 6,5-6) – os sofrimentos padecidos pelo seu povo (Ex 2,11): matará um egipcio (Ex 2,12) e tem de fugir para salvar sua vida (Es 2,14). Quem um dia há-de guiar a libertação do povo (Ex 14,4) tinha-se antes salvado fugindo (Ex 2,15); durante anos “viveu emigrado em terra estrangeira” (Ex 2,22), antes de conduzir seu povo para o deserto durante quarenta anos (Ex 29,4): aquele que será chamado para levar Israel ao encontro de Deus (Ex 19,1-25), vivia entre estrangeiros quando Deus o encontrou (Ex 3,3-6). Saberá como fazer frente a Deus (Ex, 4,1-14); 6,12-30) aquele que deverá resistir às rebeliões do seu pvo (Ex 14,11;15,14; 16,2-3; 17, 2-4). Conheceu a incompreensão e a recusa dos seus, aquele que será testemunha de um Deus desconhecido e contestado (Ex 16,3.8; 17,3).

Se árduo e cruel foi o ensinamento a que Deus submeteu Moisés, mais desumano se tornou o seu fim. Quem favoreceu e realizou a fuga do Egipto, quem escoltou e acompanhou o seu povo no deserto, quem lhe deu um corpo de leis e uma cosnciência de nação, quem o fez aliado de Deus, acabará os seus dias à entrada da terra prometida: entrará no repouso dos pais (Dt 31,16) sem entrar no repouso de Deus (Dt 31,2); foi-lhe permitido ver de longe, sem a poder visitar, aquela terra tão desejada (Dt 32,55) que era a realização da salvação prometida. O que tinha sido escolhido por Deus para mediar a salvação terminou a sua vida experimentando uma salvação “a meio”: morreu e foi sepultado “segundo a ordem do Senhor... no país de Moab” (Dt 34, 5.6). A sorte do chamado a fazer de intermediário entre Deus e o seu povo é ficar a meio caminho, sem pertencr dfinitivamente a nenhum dos dois.

1.2 Ter encontrado Deus, origem e causa da mediação

Moisés foi capaz de suportar o duro ensinamento porque tinha conhecido Deus em pessoa. O Deus que, sobre o monte Nebo mostrou a Moisés “todos os países” e lhos fez ver com os próprios olhos (Dt 34,1.4), tinha-se aproximado em pessoa “no Oreb, o monte do Senhor” (Ex 3,1.4). Moisés encontrou-se com Deus na sarça que ardia sem se consumir, um Deus que não se deixou ver, mas se fez escutar, um Deus que revelou o seu plano de salvação, mas não o seu rosto. Moisés tronou-se íntimo de Deus antes de salvar o seu povo; o mediador tornou-se confidente antes de sofrer a pedagogia divina; deixou-se educar por quem se lhe tinha revelado: Deus deu-se a conhecer antes de dar a conhecer o seu projecto, antes revelou o seu nome, depois o seu plano; e só depois, começou a educção do seu mediador. Experimenta a acção educativa de Deus aquele que fez experiência dele: Deus submete à sua pedagogia a quem é já experto n’Ele.

Deus iniciou o seu trabalho educativo com Moisés chamando-o, fazendo-o sair de quanto o ocupava (família, profissão, lugares onde habitava) para o carregar com uma obrigação que ele jamais poderia ter imaginado: salvar o povo que o tinha abandonado procurando salvar-se a si mesmo. Para Moisés encontrar um “novo “ Deus foi como encontrar uma nova missão na vida: teve o encontro com Deus no momento em que se encontrou com um plano de salvação para Israel.

“O Deus de teus pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob” manifestou-lhe o seu nome (Ex 3,6.14-16), identificando-se como libertador de Israel, “Deus dos Hebreus” (Ex 3,18), um Deus que está ali para “fazer sair os israelitas do Egipto” (Ex 3,11): “Eu vim para vos ver e ver como sois tratados no Egipto. E disse: tirar-vos-ei da humilhação do Egipto” (Ex 3,17). Deus revela o seu “novo” nome revelando a sua vontade de libertar Israel: Ele está aí para salvar.

Só Moisés, que ocnhece o nome de Deus e o seu plano, se pode apresentar ao faraó e ao povo como seu representante (Ex 3,11-15). Para salvar o povo de Deus é necessário conhecer a Deus intimamente, conhecer o seu “nome” e o seu “programa”; e Deus estará com Moisés sempre e apenas quando Moisés se entregar a salvar o seu povo (Ex 3,12).

Obra tão grande encontra claras oposições. A primeira e a pior resistência nasce no coração do chamado: Deus faz tudo para a desfazer, com tanta força como tacto pedagógico. Se Moisés diz que é incapaz (Ex 3,11: “Quem sou eu para ir à presença do faraó?), Deus faz o possível para o não deixar só (Ex 3,12): “Eu estarei contigo”). Se este Deus é um desconhecido (Ex 3,15): “Mas perguntar-me-ão: como te chamas? Eu, que lhes responderei”?), Moisés poderia dizer o seu verdadeiro nome (Ex 3,14: Deus disse a Moisés: eu sou o que sou. Depois disse: Dirás aos israelitas: o “Eu-sou” mandou-me ter convosco”). Se Moisés tem medo de não ganhar a confiança do povo (Ex 4,1: “Não acerditarão e não escutarão a minha voz”), Deus conceder-lhe-á poderes prodigiosos (Ex 4,8): “Se não acreditarem em ti e não escutarem a tua voz ao primeiro sinal, acreditarão na voz do segundo”). Se, última resistência, Moisés confessa que não sabe falar (Ex 4,10: “Eu não sei falar (Ex 4,10: “Eu não sei falar; nunca o fui antes e nem sequer quando tu começaste a falar”), Deus, além de lhe prometer que seria a sua boca (Ex 4,129, dá-lhe um irmão (Ex 4,14: “Não tens o teu irmão Arão? Eu sei que ele fala bem”). E o primeiro “Agora Vai”, eu falarei por ti” (Ex 4,12) converte-se num “tu falar-lhes-ás e colocarás na sua boca as palavras que deverá dizer... Ele falará ao povo por ti” (Ex 4,15-16).

É estranho este itinerário educativo que inicia com um Deus a quem escuta e acaba com um irão a quem deixar falar! Quanta paciência gasta Desus salvador com o seu enviado! O resultado é evidente: ter Deus consigo e ter à disposião um irmão fazem de Moisés o mediador que o povo sofredor necessitava.

O QUÊ: UMA PARTIDA OBRIGATÓRIA
Impondo um êxodo, Deus educa o seu povo e fá-lo passar da escrevidão ao serviço.

“Diz o Senhor Deus de Israel:
deixa partir o meu povo, para que me celebre uma festa no deserto”. (Ex 5,1)

Israel viveu a saída do Egipto como uma libertação porque, como escravo, estava submetido a um injusto regime de trabalhos forçados. E percebeu que conseguir sair era obra de um Deus “novo”: só um Deus assim podia fazer frente ao poderio militra do faraó e vencer: a emancipação de um grupo de escravos foi salvação divina, nascimento para a liberdade de Israel, o povo que conheceu um Deus capaz de o tirar do Egipto, “casa de escravidão... com mão poderosa” (Ex 13,3).

2.1 O projecto inicial de Deus, três dias de festa

Um Deus novo se revelava tornando conhecidas as suas novas – inauditas – pretenções: “Observei a miséria do meu povo no Egipto..., conheço os seus sofrimentos. Desci para o libertar da mão do Egipto” (Ex 3,7-8). Este Deus deu início ao seu grande projecto de salvar Israel com um pedido discreto, direi até modesto; convidou Moisés e Arão a pedir ao faraó que deixasse partir Israel “para uma viagem de três dias no deserto e celebrar um sacrifício ao Senhor nosso Deus” (Ex 5,3); queria libertar escravos para ser servido por eles.

E, de facto, tudo quanto Moisés e Arão pediram em Seu nome foi apenas um breve tempo de descanso, a suspensão transitória do trabalho imposto. Recusando-se a conceder-lho, o faraó desencadeou um longo e violento processo de libertação. Quem se nega a servir a Deus opta por servir-se do próximo; quem ao invés favorece o livre serviço de Deus que ama a liberdade, sente-se empenhado no processo de libertação. Rejeitar um serviço a Deus que se realiza em tempo de repouso e de festa atenta contra Deus que quer ser festejado por homens livres. Quem acredita no Deus do êxodo não se sentirá forçado quando trabalha, e, quando não, sentir-se-á chamado a celebrar a sua encontrada liberdade (Ex 5,1-9; 13,2). Recuperar o gosto pela festa e pelo repouso mesmo breves, ajuda a recordar Deus e a fazer seu o seu projecto de salvação. Nasce assim uma liturgia, espaço de liberdade e estímulo de renovados processos de libertação.

Desde o início Israel sabia que não merecia a liberdade recebida; mas conheceu o motivo da sua libertação: servir a Deus (Ex 5,1). Exactamente porque o Deus do êxodo amava a festa, libertou um povo que o festejasse. A liberdade que Deus nos dá não é, portanto, absoluta, tem um objectivo preciso, o culto ao Libertador, a celebração festiva da liberdade concedida. Por conseguinte, se servir a Deus apenas é possível a homens/mulheres livres e, libertar-se, ser e sentir-se livres, é obrigação necessária para fazer festa. O serviço de Deus é autêntico se nascer da liberdade vivida.

2.2 As “razões “ de Deus: a sua paternidade

Para legitimar a sua intervenção a favor de um grupo de escravos, Deus teve que tomar uma desição snsólita: adopta Israel como primogénito e apresenta-se como seu representante legal. Tornado “pai” de um povo, não pode evitar vingar-se dos opressores: “Israel é o meu filho primogénito. Eu tinha-te dito: deixa partir o meu filho para que me sirva! Mas tu recusaste deixá-lo partir. Por isso eu faço morrer o teu filho primogénito” (Ex 4,22-23). Israel pôde sentir-se seguro da sua libertação, porque Deus não podia libertar-se das suas responsabilidades. Protegido como filho, sentia-se chamado a ser livre.

Acreditar em Deus Pai alimentou em Israel a sua ânsia de liberdade; sentir-se familiar de Deus levou-o a exigir deixar a “casa da escravidão”. Israel sempre pensou que a sua liberdade era um dom concedido e não fruto dos esforços colectivos; nasce como povo livre quando se torna crente; e reconhece que independência e soberania nacional ficavam ligadas à sua fidelidade a Deus, ao serviço do seu Pai.

Por isso, sempre que via que a autonomia ou liberdade estavam ameaçadas, sentia-se levado a confessar o seu pecado; crente, Israel sabia que desobedecer a Deus o deixava indefeso nas mãos de seus inimigos. Quem nasceu para a história num encontro com Deus, permanecerá na história se não perder Deus. A fé no Deus do êxodo obrigou Israel a enfrentar a sua história sempre com o seu Deus e Pai.

2.3 Um projecto incompreendido e combatido

Libertar Israel não foi fácil, nem sequer a Deus. A oposição encontrada obrigou-o a reafirmar repetidamente e às vezes com violência a sua vontade: pronunciu-se continuamente a favor de uma salvação para poucos.

A primeira e mais obstinada resistência encontrou-a Deus no poder político; o faraó recorreu aos magos e profetas para colocar em perigo, no princípio e no final, o projecto libertador de Deus. E para o conseguir, Deus lutou “corpo a corpo”. E é singular, que o próprio Deus contava com a oposição, até a tinha aumentado endurecendo o coração do Faraó (Ex 4,21); mesmo havendo boas razões “políticas” (Ex 1,10-11) e económicas (X5,12-19), a hostilidade foi anunciada, até desejada por Deus (Ex 7,3-4;9,12;1°,1.20.27;11,10;14,4.17): o seu plano era politicamente incorrecto (libertar um grupo de escravos), um desastre económico (dar dias de repouso a trabalhos obrigatórios) e não aconselhável do ponto de vista religiosa (celebrar um Deus que ainda não tinha sido (re)conhecido), Deus não se deixou intimidar; estava mais interessado em receber culto que a manter escravos: preferiu o serviço de homens livres no deserto (Ex3,12) a escutar o grito e ver a opressão do seu povo (Ex 3,7.9).

O Deus dos nossos pais (Ex 3,6) é um Deus que se tornou conhecido libertando escravos, um Deus que introduzindo na história humana um grupo de pessoas libertadas, se ofereceu como seu Deus. O nosso Deus é um Deus que precisa de homens livres para os tornar crentes e fiéis. Ter experiência do Deus do êxodo exige previamente homens que amem a liberdade que lhes foi concedida, homens que não suportem a privação de liberdade para os outros: o Deus do êxodo não se deixa festejar senão por homens livres. Encontrará este Deus quem “saia” do Egipto, “casa de escravidão”, e inaugure uma liberdade celebrando este Deus. Liberdade concedida para servir a Deus foi a primeira etapa da pedagogia do Deus do êxodo.

O COMO: UM INESPERADO DESERTO.
Introduzindo-o no deserto, Deus educa o seu povo e fá-lo passar da solidão para a aliança.

No êxodo, projecto histórico de salvação bíblica, o deserto é uma etapa, imprevista, mas necessária, da pedagogia divina. Deus, que se lançou a salvar fazendo sair do Egipto massas de escravos prometendo-lhes a liberdade e uma terra onde a viver (Ex 3,8), impos-lhes um longo e árduo peregrinar pelo deserto, terra de ninguém (Ex 13,17), como caminho gradual em direcção à liberdade total.

Que a crónica desta passagem pelo deserto ocupe a maior parte e a central do Pentateuco (desde Ex 19,i até Nm 10,28) é prova da sua importância dentro do programa educativo de Deus: Israel aprendeu que onde ninguém pode sobreviver, só Deus consegue salvar; onde tudo é adverso e inimigo, só Deus se torna companheiro. Israel deverá peregrinar durante uns bons quarenta anos aprendendo a caminhar ao lado de Deus que o libertou (Ex 13,21-22) até se encontrar com Deus aliado (Ex 19,34).

3.1 Uma decisão estratégica de Deus

Aqueles que sairam do Egipto não entraram logo, como pensavam e lhes tinha sido prometido, num país “belo e amplo..., onde corre leite e mel” (Ex 3,8). À portentosa libertação não se seguiu imediatamente a doação das terras onde viver e liberdade; Israel começou a viver livre num inabitável deserto (Ex 13,17-18.20).

Entrar no deserto não foi nem capricho de Deus nem erro huamno, mas uma decisão pensada de Deus (Ex 13,17-18), mesmo se imprevista e não desejada por Israel (Ex 14,11-12). No programa de Deus o deserto era lugar e tempo de salvação, mesmo que na realidade deixasse para o futuro a sua realização. Vaguear com rota desconhecida em terra inabitada foi tempo para a tentação e para a graça, lugar de prova e de encontro com Deus.

Deus reconhece o deserto como opção pedagógica; introduziu nele um punhado de homens ainda não habituados à liberdade e, após longos percursos e contínuas contestações, fez sair dele um povo, constituído nação e seu firme aliado. Sem o deserto, israel não teria jurado aliança com Deus nem o teria aceitado como companheiro de caminho.

Deus, quando salva, impõe sempre o deserto, atrasa sem data fixa a promessa feita, deixa os seus sozinhos diante do inimigo, fá-lo caminhar em terra de ninguém, com ninguém como amigo. Quem o esquece ou se opõe, perde a oportunidade de, agora livre, se tornar crente e aliado de Deus.

3.2 Tempo – para Deus e para os seus – de provar a própria fidelidade

Israel viveu muito tempo perdido no deserto por ter posto Deus à prova “già dieci volte e não obedeceram à sua (minha) voz” (Nm 13,22-23). O episódio dos dez exploradores explica como Deus se viu obrigado a fazer morrer no deserto a geração que tinha tirado do Egipto através do mar e esperar até que os nascidos no deserto se tornassem adultos e melhores crentes.

Logo depois de saber que a terra onde andavam era habitada, compreenderam que deviam lutar, talvez até morrer, para a conquistar; os libertados do Egipto sentiram-se enganados; murmuraram contra Deus que tinha prometido uma terra gratis. No pecado encontrarão o castigo: já que não quiseram entrar numa terra que deviam conquistar com a força, não sairão do desero; Porque tiveram medo de ver a terra prometida porque era habitada, não verão se não o deserto, terra inabitável.

Entretanto Deus concede um tempo para se preparar um povo que confie nele e nas suas promessas e caminhe segundo o seu querer. Entretanto Israel deverá aprender que Deus, apesar de tudo, não o abandonará: em forma de nuvem escura (Ex 13,21-22; 14,19-24; 33,9-11; Nm 11,25; 14,14) ou como coluna de fogo (Ex 13,21-22; 19,18; 40,34-38; Nu 9,15-23; 10,11-12), marchará à sua frente, caminhando com eles e mostrando-lhes o caminho. De dia, coluna de nuvem, de noite, coluna de fogo, Deus prova a sua proximidade e, ao mesmo tempo, o seu afastamento: acompanha o seu povo sem prepotência, favorecendo sempre a fé e deixando espaço para a liberdade. Israel, por conseguinte, deverá dicidir sempre, sem abdicar das suas responsabilidades e com o risco de errar; sentir-se-á guiado por Deus, mas sabe que não está obrigado a segui-lo. O tempo do deserto foi árduo, mas indispensável para se educar na liberdade.

Ter Deus como guia não poupou a Israel fadigas no caminho, o medo de engano e a prórpia responsabilidade. E, de facto, caiu na tentação de fazer um deus à sua medida, fabricando um precioso e imponente animal, “um deus que caminhe à nossa frente” (Ex 32, 1.23); “trocando a sua glória com a figura de um touro que come feno” (Sal 106,20). Que outro deus poderia desejar um povo cansado de tanto caminhar? Mas um deus imaginado segundo as necessidades do crente, um deus do qual se pode dispor à vontade não é libertador e torna-se uma carga pesada; como dirá com ironia o profeta, o deus “trabalho de artista e de mão de ourives”, não sabe falar e “é preciso levá-lo, porque não caminha” (Jer 10,5).

Educar o povo que tinha escolhido como filho custou muito a Deus; o deserto foi para Ele o lugar da amargura, da prova, das provocações (Ex 17,1-17; Sal 81,8; 95,8) que o tronaram “ciumento” (Sal 78,58). No deserto Deus tornou-se mais sensível às críticas de Israel, porque estava mais vizinho, porque lhe tinha matado a fome e a sede, porque o guiava de dia e de noite. Para conseguir ter um povo fiel Deus teve de sofrer insolências e desatinos, até ao ponto de pensar, triste, em exterminar aquele povo de tão dura cerviz (Ex 32,2-10). Ainda bem que aquele dia tinha Moisés, o mediador, a seu lado, que apoiando-se na honra do Deus desonrado e sobre a sua fidelidade às promessas o convenceu e “o Senhor abandonou o propósito de fazer mal ao seu povo” (Ex 32,14).

3.3 Com um único objectivo, recuperar o seu povo

Como dscobrirá Israel, depois de um longo peregrinar pelo deserto, o seu libertador tinha um plano bem definido desde o início: o percurso que começou como uma peregrinação de três dias para oferecer sacrifícios (Ex 5,3) acabou com a ratificação duma aliança perpétua (Ex 24,8). No deserto Israel encontrou um Deus que ansiava ligar-se a ele com um pacto legal e se obrigou a obsrvar a lei livremente assumidas (Ex 34,10-27). Tornar-se aliado de Deus foi a última e definitiva experiência que viveu o povo que caminhou durante quarenta anos no deserto.

No Sinai Israel tornou-se aliado de Deus que o tinha libertado do Egipto adoptando-o como filho primogénito (Ex 4,22) e soube que se entregava com total exclusividade a um Deus amante e ciumento (Ex 20,5; 34,14). Certamente a excessiva predilecção fará com que este Deus ciumento se converta em companheiro difícil e intolerante, que reagirá com violência ou paixão quando se sinta traído no seu amor. Israel deu-se conta de que precisava deste Deus para sobreviver (Nm 14,40-45), que o precedia, combatia por ele, que o levava e sustinha “como o pai leva o próprio filho” (Dt1,31), que não cessou de o seguir e ficou com ele “DURANTE ESTES QUARENTA ANOS E NADA LHE FALTOU” (Dt 2,7;8,2). Ainda mais, enquanto caminhava com Ele, ombro a ombro, Israel compreendeu que Deus queria ser seguido e obedecido (Dt13,5) e que afastar-se dele – ou apenas esquecê-lo – seria a sua perdição (Dt 7,4;8,14

Assim, subjugado por este Deus, Israel tornou-se aliado do seu libertador e tomou consciência da própria singularodade diante dos outros povos: “sereis para mim uma propriedade particular entre todos os povos” (Ex 19,5): com nenhuma outra nação Deus se tinha comportado assim. Israel, libertado do Egipto e livre depois de árdua pedagogia, tornou-se por fim povo eleito, reino de sacerdotes, nação santa (Ex 19,6); o longo e penoso processo de libertação – e o esforço educativo de Deus – tinha chegado ao fim. No Sinai, livres e amigos, iniciaram juntos, Israel e Deus, a última viagem com a vontade de Deus aceite (Ex 19,8: “Faremos tudo o que Deus disse”). A permanência no deserto, mesmo se imprevista e nunca querida, tinha feito o milagre de converter um bando desorganizado de pessoas livres num povo que se sentia eleito de Deus. É este o sucesso da pedagogia de Deus!

4. A META: UMA TERRA PRÓPRIA PARA VIVER EM LIBERDADE.
Obrigando a conquistá-la, Deus educa o seu povo a receber o dom como compromisso

“Ide e tomai posse do país
que o Senhor prometeu por juramento dar a vossos pais.’” (Dt 1,8)

Sair do Egipto teria sido um falhanço claro e rotundo se tivesse terminado numa estadia permanente no deserto: sem uma terra própria onde viver como povo livre, o êxodo não teria sido uma verdadeira salvação; Caná realizava a promessa e tornava concreta a salvação.

A terra prometida, portanto, era parte integrante do projecto salvífico de Deus, a contrapartida do Egipto; entrar na terra dos cananeus fechou o ciclo das intevenções divinas iniciadas com a saída de Abraão da sua terra (Dt 26,5-9): em Caná o povo de Deus encontrou finalmente um lugar onde habitar e um espaço para o repouso.

4.1 Dom adiado, mas esplêndido: uma terra “boa” e um “novo” Deus

Todos os que sairam do deserto e entraram na fértil terra de Caná tocaram – melhor, construiram com esforço – a sua salvação. Israel sabia que não era filho, nem dono natural daquelas terras que estava para tomar: apoderou-se de “grandes e belas cidades que não tinham edificado, casas cheias de todos os bens que não tinham recolhido, cisternas não cavadas por eles, vinhas e oliveiras que não tinham plantado” (Dt 6,11) e confessou sempre que lhe tinham sido prometidas e dadas por Deus.

O cerco a Caná não foi apenas consequência de ocupação, por conquista militar ou infiltração pacífica, mas sobretudo apropriação legítima de quanto Deus lhe tinha concedido. O seu Deus não se contentara em dar liberdade ao povo, deu-lhe uma terra para garantir o exercício da liberdade acordada. Deus permitiu a Israel estabelecer-se no país que era sua propriedade (Gn 22,19): primeiro escolhera um povo como filho, agora tinha de dar-lhe um lugar onde habitar (Ex 15,17); Israel, a nação e a terra, era e continuava propriedade de Deus.

Com o dom da terra Israel recebia ainda uma nova revelação de Deus. Aprendeu que o Deus libertador no Egipto, o Deus companheiro e aliado no deserto, era também o Deus da terra: pertencer a este Deus incluía “ter parte com o Senhor” (Gn 22,25: cf. Sal 16,5). Por conseguinte, ninguém em Israel era proprietário duma terra, que era, em exclusiva, de Deus, junto dele, todos eram, quando muito, “forasteiros e inquilinos” (Lv 25,23). As terras não foram dadas em propriedade, mas um empréstimo para as desfrutarem; as divisões dos lotes de terreno permaneciam intocáveis, porque sancionados por Deus. Viver fora, “longe da herdade do Senhor” implica estar “longe do rosto do Senhor” (1Sm 26,20); habitá-la obrigava a obedecer ao Senhor (Gn 2,7; 16,18): a desobediência paga-se com o exílio (Ex 36,5; Os 9,3). Na compreensão de Caná como herança de Deus estava implícita uma nova imagem de Deus: o Deus companheiro de caminho, vagabundo juntamente com o seu povo errante, torna-se o Deus que mora numa terra, da qual é o dono (Gn 22,19), no meio do seu povo (Nm 35,34). Na terra de Caná Deus torna-se um Deus sedentário, mal o seu povo aí se estabelece.

E, porque a terra fo dada, possuí-la é sempre uma graça. Em terra dada não se vive como se quereria, mas como Deus, o seu Senhor, deseja. A liberalidade de Deus constringe Israel a viver nela com generosidade: aquilo que obteve como dom imerecido não o poderia disfrutar de maneira desconsiderada. Em Caná Israel tornou-se, como Adão no Éden , antes do pecado (Gen 1,29), lugar-tenente de Des. Na mente de Deus, as leis referentes ao cultivo da terra tinham como finalidade manter o povo de geração em geração, agradecido a Deus e respeitador da terra.

Assim Deus sibmetia Israel à pedagogia do dom: evitando que acerditasse ser o único senhor da terra, Deus educava-o a viver dependente dele e colocando à disposição dos outros aquilo que tinha recebido como dom. Quem tudo obteve de Deus, era obrigado a reservar alguma coisa para Ele e para o próximo: um Deus que parte a sua herança não consente pequenos proprietários. A lei das primícias (Ex 23,19;34,276; Lev p,23-24; 23,10), dos dízimos, anuais e trimestrais (Ex 22,28; Nm 18, 21-22; Dt 14,22), da interrupção do cultivo da terra cada sete anos (Ex 23,10-12) e até a interdição de recolher o que ficava depois das colheitas, ou recolher o rebusco da vindima (Lv 19,9-12; 23,22) não são senão corolários da fé de Israel em Deus, único proprietário da terra que habitava.

E porque a terra era dom de um Deus aliado não podia ser senão a melhor terra possível, terra “boa” (Ex 3,8: Nm 14,7; 11,9; 26, 9-15; Gen 11,5; 32,22). Em nítido contraste com a monotonia árida do deserto, a terra prometida recorda o paraíso perdido: como nele, abundam as águas (Dt 8,7-20; 11, 10-15), prova da protecção divina. Mais, em Cana é o próprio Deus em pessoa que se ocupa da chuva periódica: uma terra que bebe água do céu é, sem dúvida, terra das bênçãos de Deus. Israel conheceu finalmente a alegria de contar com Deus enquanto desfruta da sua terra.

4.2 Uma liberdade dada que obriga a viver em liberdade

A salvação concedida por Deus não é apenas um dom gratuito; é sobretudo programa a realizar: ao dom da liberdade segue necessariamente a liberdade como obrigação. Durante todo o processo de libertação Deus fez tudo pelo seu povo, às vezes até contra ele; na etapa final, no cerco de Caná, nada será feito sem Israel – nascido para a liberdade quase sem a querer, deverá ficar em liberdade para permanecer em vida.

Estabelecer-se numa terra nova trouxe muitos problemas. Havia o perigo de assimilar formas culturais e religiosas, mais desenvolvidas e aparentemente mais eficazes, melhor daptadas às novas necessidades. Para os povos agricultores a terra cultivável era a evidente mediação com a divindade. Israel pelo contrário, povo nómada, prestou sentido à seduçaõ da religião cananeia, que parecia assegurar melhor a subsistência naquelas terras.

A posse de Caná provocou também mudanças radicais nas normas de comportamento social. Israel adoptou o ordenamento jurídico dos povos vizinhos, sem renunciar a fundamentá-lo na vontade positiva do seu Deus. Por isso, o direito israelita se caracterizou por um forte sentido moral, a proporcionalidade entre transgressão e castigo e uma preocupação preferencial pelos extractos sociais mais débeis. Acreditar num Deus Libertador foi a base das liberdades sociais: quem acreditava ter sido resgatado da escravidão não podia voltar a ter novos patrões (1Sam 13,8-15; Dt 15, 12-18; Lv 25, 39-43). O Deus que tinha salvado o povo libertando-o da servidão forçada tinha necessidade de homens livres para ser celebrado como Libertador. Israel, que se tinha encontrado com Deus enquanto saía da casa da escravidão, não podia pôr limites à liberdade dos outros: para ambos, para Deus e para Israel, a liberdade era irrenunciável.

4.3 O repouso e a festa, meta da libertação

Depois de ter conquistado a terra prometida, Israel encontrou finalmente um lugar onde repousar e uma razão para a festa comum. Entrar na terra reconfortou os pés cansados e à fadiga seguiu-se o alívio; Israel pôde comer e beber “alegremente” (1Re 4,20): a salvação do Deus do êxodo teve como meta, verdadeira meta do “processo educativo”, a concessão duma terra onde o repouso não fosse descuidado e o ócio favorecesse o culto e a alegria.

Ter uma terra própria tornou possível o repouso. Na terra dada podia viver-se com tranquilidade e calma, “cada um sob a própria videira e a própria figueira” (1Re 5,5). Deus ocupava-se pessoalmente das fronteiras (Ex 36,5; Sal 123) e assegurava o repouso definitivo a Israel (1Re 8,56). Permanecendo Deus no meio do seu povo, no templo de Jerusalém, Israel sentir-se-á em segurança para não regressar a antigas servidões e novas fadigas. Será Deus o que guarda e constroi o seu povo, as fronteiras e as casas: de nada vos serve levantar muito cedo e trabalhar pela noite dentro (Sal 127,2). Israel superou o medo do futuro não porque soubesse que o podia dominar, mas porque estava seguro que não o afrontava sozinho. Quem entra no lugar do repouso de Deus (Sal 95,11) liberta-se das preocupações e livre dedica-se a caminhar segundo os caminhos do Senhor. Até o sono, estado de repouso gartificante e ausência de apreensões, se converte em dom – como o pão – para os amigos do Senhor (Sal 127,3).

Repousar na terra prometida era tão importante que o Deus libertador de escravos ordenou a Israel observar o sãbado (Ex 23, 12; 2Re 4,23; Is 1,13; Os 2,13): o povo devia repousar para poder confessar que o trabalho não é imposição violenta (Dt 5,14-15). O Deus do êxodo liberta os seus fiéis do ansioso abuso do tempo, da angústia para aproveitar o tempo; ter espaços livres para a recordação de um passado vivido com Deus, renunciando à produção compulsiva e à ânsia de lucro reconcilia o crente consigo mesmo e com o seu próximo.

Obrigando o repouso e ordenando o culto, Deus educou o seu povo à gratuidade: viver do que se recebeu, sem trabalhar tanto nem cansar-se para ter mais é a meta da pedagogia do Deus do êxodo, um Deus que pensou numa liberdade de três dias (Ex 5,3) e, não o conseguindo, impôs uma redenção definitiva e deu uma terra para a celebrar.

II. EDUCAR HOJE, ACTUAÇÃO DIVINA

“A pedagogia de D. Bosco – ecreveu um esperto – identifica-se com toda a sua acção; e toda a acção com a sua personalidade; e todo o Dom Bosco está reunido no coração”(1). O sistema educativo de Dom Bosco – suas opções e metodologia – é, portanto, a revelação do seu mais íntimo ser e a concentração do seu agir como sacerdote para os jovens. Como Deus com Israel, como Jesus com os seus discípulos, arriscacrei dizer, Dom Bosco salvou a juventude educando-a.

O educador, como Deus, observa a miséria dos seus, deixa-se comover pelo seu sofrimento (Ex 3,7-9°) e concebe um percioso plano de intervenções (Ex 3,9b-14, 17). Diz a sua identidade (Ex 3,14-15: «Assim dirás aos filhos de Israel: ‘O Senhor, Deus dos vossos pais, Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob, enviou-me a vós: este é o meu nome para sempre, o meu memorial de geração em geração’), identificando quem e como salvar “educando” (Ex 3,16-18). Conhecendo – Ele viu e ouviu – a dor do seu povo, não pode ficar inactivo. Na origem do acto educativo divino há a compaixão diante duma situação de miséria: Deus dá-se a conhecer porque e quando dá a conhecer a sua salvação.

Quem deve educar o povo de Deus, antes deve deixar-se educar por Deus. Quem educa em nome de Deus deve conhecer bem Deus e os seus planos; sem encontro pessoal – revelação divina – a educação do povo não se tornará salvação de Deus. Único mediador, o educador recebe um irmão como apoio e a ultrapassagem das próprias deficiências: a educação salvadora é sempre compromisso comum.

O educador salva impondo rupturas. Na origem do acto educativo de Deus esteve o seu coração compassivo; manifestou-se em pessoa apenas depois de ter obeservado o estado miserável do povo e escutado os seus gritos. É pouco credível uma verdadeira educação sem compaixão.

Deus inicia a sua salvação com um pedido discreto, direi até modesto, de libertação parcial, três dias de celebraações para induzir ao gosto pela festa e o repouso do seu povo, à alegria do serviço livre. Semelhante projecto encontra resistências e más interpretações: para se justificar o Deus “libertador” põe-se do lado de quem sofre e trona-se seu pai. A educação divina é competência de pais compassivos.

Na história de Israel, tipo e figura da Igreja, torna-se evidente que nenhuma situação humana pode deixar de ser motivo e meio de um encontro com Deus: uma terra estrangeira como o Egipto, onde a única ocupação era o trabalho forçado, pôde conduzir à descoberta do Deus libertador; num deserto, terra de ninguém, onde a existência é permanentemente ameaçada, viveu-se a experiência de um Deus companheiro incansável e fiel aliado; uma nova terra fértil e habitada, onde o serviço de Deus e o descanso do homem se tornaram possíveis, porto de encontro de um Deus Senhor único da terra e amigo da festa. Israel não teve de “sair” da sua história – fugir da realidade mesmo se calamitosa – para encontrar Deus; mas teve de sair continuamente de si mesmo para acolher Deus, quando e como se lhe manifestava. O Deus que vive para salvar, não salva sem “fazer sair”, sem educar.

O trabalho educativo requer tempo e provas: sair de uma situação que não é boa não significa entrar numa melhor; libertação não é ainda liberdade. Querem-se caminhos imprevistos que, como bom educador, Deus acompanha sempre até se impor como aliado fiel. O educando precisa de tempos longos para se tornar livre, aproveitando-se da liberdade concedida.

Quem foi salvo da escrvidão em terra estrangeira não pode favorecer a escravidão de outros na própria terra. O bem-edicado torna-se educador, libertador. A meta da educação divina é o repouso festivo e a gratuidade na relação com os outros.

Roma, 11de Novembre de 2007

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